terça-feira, 28 de março de 2017

2017: Centenário de Mestre Didi






Efêmeros e Eternos | Material e Imaterial


Com que delicadeza devo encontrar a leveza de Mestre Didi?

Quando filmo sua obra colocada em praça pública, no Rio Vermelho, indo à casa de Jorge Amado e Zélia Gattai, encontrar o que de mais belo houve na rede de relações que possibilita a Bahia entender e fazer sua modernidade, faço um elo com a passagem do centenário em 2016 de Zélia Gattai de Ewa, senhora das transmutações para o  artista-sacerdote que nesse 2017 alcança seus 100 anos. Um elo com esse tempo-espaço que vai se constituindo com o século @ também dito XXI, onde teremos de cuidar da eternidade do nosso passado recente, pois é o que mais de perto nos constitui.

 Encanta-me pensar o fazer artístico tanto no conceitual como no artesanal, de um ser naturalmente herdeiro do sacerdócio dos cultos afrodescendentes no Brasil. Só de saber que  Mestre Didi, é filho de Mãe Senhora, fundadora do Axé Opó Afonja, me ponho na certeza indissolúvel de como o tempo nos trará entendimentos, ainda mais potentes na sustentabilidade da nossa civilização. Porque me convenci, que apesar de toda a dor, a melhor ambição ainda é essa, e ela conta com o auxilio, fundamental da percepção humana, que nos possibilita a África. Na hora de sustentar as ondas mais pesadas, sempre contamos com ela.

Nesse ano transito por este ser encantado que se fez sacerdote dos eguns, dos espíritos imortais, me deixando levar nessa espiral do tempo, onde ano a ano vejo forças indiscutíveis que nos formaram artística e culturalmente se apresentarem e com elxs uma cosmologia nos faz nação.




2016: Centenário de Zélia Gattai


No tempo a partir das Serpentes somos anarquistas graças a Oxalá.

O tempo a partir das serpentes é uma trilogia em pintura: À noite, sua imensa vastidão cheia de mistérios, a possibilidade da total escuridão, a morte que dá lugar a aurora, momento único em que reluz mercúrio, e faz a passagem para a claridade solar do dia. São inseparáveis e compõem uma só obra.

O centro é constituído do caduceu, símbolo clássico de Hermes, aqui realizado para Exu, o mito mais forte do hemisfério sul que corresponde em sua função de mensageiro ao senhor da economia do Norte. Reconhecendo nossa escala de desenvolvimento como outra, opto por re-significar o luxo. No aspecto formal busco um dialogo entre o fazer artesanal, o design, e a poética como função prioritária da arte de pintar.

À noite vista como ouroboros, um dos símbolos mais antigos onde configura a serpente, momento em que esta morde o rabo, representação de um tempo que fecha seu ciclo, o recolhimento.
O dia como um espiral arco íris compondo serpentes. Propriedades fundamentais dos Orixás Oxumaré e sua irmã gêmea Ewá, que representam respectivamente a prosperidade e a reprodução humana. Cobras corais são as serpentes favoritas desses Orixás, e por isso colocadas no Caduceu, desta vez para Exu.

Tenho o projeto Efêmero e Eterno, que pensa a memória nacional através de suas personalidades centenárias, e sendo este os 100 anos da escritora Zélia Gattai, senhora de Ewá, paulistana com longa vivência na Bahia, ao lado do também centenário escritor Jorge Amado, o tempo a partir das serpentes se fez. Com Zélia e sua Ewá, fui filmar as transformações urbanísticas do bairro Rio vermelho, e a casa modernista nesse lindo bairro, onde o casal viveu em Salvador. 


Essa cartografia audiovisual chamo de Anarquistas Graças a Oxalá, pois depois de apreender o elegante e divertido universo dos escritores através da sua Casa do Rio Vermelho, e de divagar pelas praças e ruas recentemente transformadas, fica um tom irônico pelos descuidados com o rio que desemboca ao lado da hoje Vila Caramuru, onde antes ficava o Mercado do Peixe, que foi gentrificado para dar lugar ao empreendimento, que muito lembra as praças de alimentação de Shopping Center, transplantada para uma área ao ar livre.  Creio que Zélia e Jorge, com o profundo respeito que tinham com as tradições populares, viriam com tristeza o espremido espaço que sobrou aos pescadores.