terça-feira, 28 de março de 2017

2016: Centenário de Zélia Gattai


No tempo a partir das Serpentes somos anarquistas graças a Oxalá.

O tempo a partir das serpentes é uma trilogia em pintura: À noite, sua imensa vastidão cheia de mistérios, a possibilidade da total escuridão, a morte que dá lugar a aurora, momento único em que reluz mercúrio, e faz a passagem para a claridade solar do dia. São inseparáveis e compõem uma só obra.

O centro é constituído do caduceu, símbolo clássico de Hermes, aqui realizado para Exu, o mito mais forte do hemisfério sul que corresponde em sua função de mensageiro ao senhor da economia do Norte. Reconhecendo nossa escala de desenvolvimento como outra, opto por re-significar o luxo. No aspecto formal busco um dialogo entre o fazer artesanal, o design, e a poética como função prioritária da arte de pintar.

À noite vista como ouroboros, um dos símbolos mais antigos onde configura a serpente, momento em que esta morde o rabo, representação de um tempo que fecha seu ciclo, o recolhimento.
O dia como um espiral arco íris compondo serpentes. Propriedades fundamentais dos Orixás Oxumaré e sua irmã gêmea Ewá, que representam respectivamente a prosperidade e a reprodução humana. Cobras corais são as serpentes favoritas desses Orixás, e por isso colocadas no Caduceu, desta vez para Exu.

Tenho o projeto Efêmero e Eterno, que pensa a memória nacional através de suas personalidades centenárias, e sendo este os 100 anos da escritora Zélia Gattai, senhora de Ewá, paulistana com longa vivência na Bahia, ao lado do também centenário escritor Jorge Amado, o tempo a partir das serpentes se fez. Com Zélia e sua Ewá, fui filmar as transformações urbanísticas do bairro Rio vermelho, e a casa modernista nesse lindo bairro, onde o casal viveu em Salvador. 


Essa cartografia audiovisual chamo de Anarquistas Graças a Oxalá, pois depois de apreender o elegante e divertido universo dos escritores através da sua Casa do Rio Vermelho, e de divagar pelas praças e ruas recentemente transformadas, fica um tom irônico pelos descuidados com o rio que desemboca ao lado da hoje Vila Caramuru, onde antes ficava o Mercado do Peixe, que foi gentrificado para dar lugar ao empreendimento, que muito lembra as praças de alimentação de Shopping Center, transplantada para uma área ao ar livre.  Creio que Zélia e Jorge, com o profundo respeito que tinham com as tradições populares, viriam com tristeza o espremido espaço que sobrou aos pescadores.



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