Em 2011 Artur Bispo do Rosário fez 100 anos. Nasceu em
Japaratuba, Sergipe, cidade que guarda a mística de ser frequentada por
egípcios e fenícios, que atravessavam o Atlântico em uma América pré-colombiana,
para cá deixar oferendas aos seus deuses. Fui em 2011 em Japaratuba pesquisar a
cidade natal de Bispo, que não se via como artista, mas um missionário para o
encontro com o divino. O lugar tem uma grande presença do povo negro, e fortes
manifestações para o Orixá Xangô. Bispo com o mesmo nome do grande rei Artur,
entrou na Marinha e foi muito jovem para o Rio de Janeiro. Talentoso construtor
e pugilista, é expulso da corporação por brigas e vai trabalhar com a família
Leone, famosa por seus juristas. Os surtos psicóticos se sucedem, a
esquizofrenia se instala definitivamente, o que leva a seu internamento no
manicômio Juliano Moreira. No lugar
começa a construir sua obra plástica, bordando os lenções com longos textos,
encapsulando com revestimentos de fios de linhas têxtil os mais variados
objetos, ordenando outros tantos em obras do mais apurado conceito de
acumulação, instalando e criando sua obra prima: O Manto para o seu grande
encontro com Deus.
O manicômio é transferido para Jacarepaguá, onde mais tarde
a Dr. Nise da Silveira vai começar o trabalho com arte, o que leva a criação do
Museu do Inconsciente Brasileiro. Bispo se recusa a ir para as novas
instalações, e consegue permanecer no antigo prédio, que vazio, permite que ele
ocupe vários espaços com suas criações, e quem quisesse vê-las tinha de imaginar a cor do seu semblante. Com sua morte, sua
obra tornou-se patrimônio imaterial do povo brasileiro, dando origem na antiga colônia,
ao Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea. Sem querer ser artista, Bispo
alcança a maior ambição destes: a eternidade.
Mestre Didi, realiza sua obra plástica com o profundo
conhecimento da cultura Yorùbá, focado na cosmologia de Nàná e seus filhos, Obàlúaiyé,
Òsányin, Òsùmàrè e Ewá. Nada há em suas esculturas, que não seja posto em
acordo com o que é próprio desse universo simbólico. Cada forma,
desenvolvimento, métodos, materiais, seja uma conta ou um monumento, é uma
escolha consciente, precisa com seu vasto conhecimento ritualístico, e da
cultura do seu povo, oriundos de Kétu, sendo sua família Asipá de uma casa real,
que portanto, era o que mais desenvolvido e preciso havia a nível de construção
material e espiritual na cidade africana. Esses preciosos artificies, artistas
e sacerdotes, ancestrais do Mestre, vão lhe possibilitar um acumulo cultural de
uma qualidade e preciosidade indiscutível, haja visto a grande influência que
exerceram na formação religiosa e cultural do povo brasileiro.
Sua vasta obra, incluem não apenas criações plásticas, mas
um legado escrito e editado em livros, filmes, afoxé, escola e o Ilê Àse Asipá,
o terreiro de culto aos Éguns que deixou assentado em solo soteropolitano, em
ótima sintonia com suas filhas e netos. Sua segunda e definitiva esposa, a
antropóloga argentina Juana Albein dos Santos, é sua companheira dessa
produção, que o assiste por mais de meio século, e que detém por hora a posse
legal de suas esculturas e direitos
autorais. Juanita, como é conhecida a antropóloga, que em tese de doutorado na
Sorbonne escreve um tratado fundamental sobre a cultura Yorùbá, “Os Nagô e a
morte – Pàde, Àsèsé e o Culto Égun na Bahia”, impossível sem a colaboração e
facilitação de Mestre Didi, é indiscutivelmente uma grande intelectual, pois
assim Éguns e Orixás quis.
Torço para que as diferenças entre seus herdeiros sejam
equacionadas e nós todos amantes das artes, que compreendemos o quanto é
fundamental seu legado artístico, cultural e religioso, vejamos surgi um
organismo muito mais forte para a preservação da contribuição de ambos, em um acerto de comum acordo, de sua parceira, suas filhas e netos. Vai valer a pena a
superação, feita de tanta luta contra a dor racista, mas sobretudo pela enorme
labuta para construir essa herança africana no Brasil e mundo.
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